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03-07-2002 -
Noticia |
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Segurança 12 -
Visão e percepção |
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Todos os nossos
sentidos se aplicam na recolha da informação.
OK, talvez o paladar se aplique um pouco menos
mas sempre pode ajudar o olfacto já que com ele
interage. E o olfacto pode anunciar-nos a
presença de óleo ou gasolina na estrada sem que
a vejamos. Uma lufada de ar mofo pode avisar-nos
de estrada, ou mesmo só um canto de estrada,
húmida e escorregadia ainda antes de a
divisarmos.
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Idem para a presença de
um camião de estrume (que sempre deixam cair
“coisas” para a via). O tacto (todo o corpo, não
apenas mãos e pés) pode avisar-nos de um pedaço
de asfalto em más condições de aderência ( todo
em ondinhas ) que o olhar não percebeu. A visão,
essa é rainha e senhora, permite-nos a percepção
de tudo o resto que nos rodeia (à frente, dos
lados e detrás).
Todos os
sentidos, portanto, nos ajudam a percepcionar a
recolher informação, a ver, para simplificar. E
o que nos interessa ver? Pois bem, tudo. Claro
que o automóvel mesmo à minha frente é mais
importante que a Chica da Silva à janela do 5º
Esqº. Porém se ela estiver a pendurar roupa que
pinga água para a rua ou se estiver a manusear
uns vasos de flores sem reparar que um outro de
gerânios vai cair cá em baixo, possivelmente em
cima de mim, também interessa vê-la. O que não
interessará tanto ver são as pernas da gostosa
que se bamboleia passeio acima, o que só servirá
para afectar a minha concentração. Porém, a
gostosa em si mesma interessa ver, ainda que de
relance, não vá ela, distraída, atravessar a rua
à minha frente.
Pensem em vocês como se
fossem o Schwarzenegger no “Exterminador”ou em
qualquer outro droide desses que o cinema
popularizou. Os sentidos, principalmente a
visão, funcionam num sistema ininterrupto de
scan, varrendo constantemente todo o
horizonte. Todo o nosso ângulo de visão, de
ponta a ponta, ao serviço da recolha da
informação que o cérebro vai processar. Ora para
atingir um nível aturado de observação, não é
demais frisá-lo, é necessária uma concentração
optimizada. O crime da distracção deve ser
deixado para os outros, já que a pena pode ser
pesada.
É claro que não quero dizer que
devamos estar a mexer os olhos de um lado para o
outro como uns tolos. A imagem a que recorri tem
apenas por finalidade acentuar o nível de
atenção e percepção aliados à visão. Ver para
interpretar e, consequentemente, perceber.
Para onde
devemos, então, olhar e, talvez mais importante,
como devemos olhar? Boa parte da nossa atenção,
como é natural, vai para o que temos
imediatamente na nossa frente. Porém, não
podemos deixar a vista repousar apenas nessa
pequena área entre as 11 e as 13 horas ( se nos
imaginarmos no epicentro do mostrador do relógio
). A nossa visão frontal abarcará pelo menos a
área entre as 10 e as 14 horas. E a forma
correcta de cobrir essa área será em curtos,
rápidos e constantes movimentos dos olhos (tipo
bate e foge). Tal como não damos descanso ao
cérebro não damos descanso aos olhos, até porque
são estes que maior quantidade de informação
fornecem aquele. Não deixando o nosso olhar
pousar numa única direcção asseguramos também o
correcto nível de concentração, o que nos
permitirá, com a informação constantemente
recolhida, tratá-la, através do raciocínio. Ao
mesmo tempo evitamos os perigos da fixação. “Nós
vamos para onde olhamos” é uma máxima que se
aplica com especial acuidade à condução
motociclistica. Não me esqueço nunca de ter
batido de raspão numa esquina do lancil de um
passeio, à entrada de uma estação de serviço,
porque não consegui deixar de olhar para ela.
Uma vez capturados nesse link fatal da fixação a
um dado ponto é assustador ver a incapacidade
que o motociclista inexperiente tem para lhe
fugir. Não é exactamente o mesmo que conduzir um
automóvel e olhar para o lado e o carro embicar
para esse lado (embora seja uma variante). É
fixar um ponto e ir directamente contra ele como
se de um íman se tratara. Pode, contudo,
tornar-se uma boa maneira, às vezes, de fugir a
uma complicação. Se em vez de olharmos, por
exemplo, para a parte da curva para onde não
queremos ir, olharmos para a escapatória, é meio
caminho para lá chegar. Mas isto só como ultimo
e desesperado recurso e por instantes apenas. É
que, enquanto efectuamos uma manobra, uma curva,
uma ultrapassagem, muitas outras coisas se estão
a passar que requerem a nossa percepção.
Adquirir hábitos de visão dinâmica é, portanto,
uma prioridade.
À operação do raciocínio
já iremos mas não podemos deixar de,
imediatamente, fazer referência ao facto de o
acto de ver não ser um acto simples. Ao “ver”
não estamos apenas a olhar para sítios ou pontos
ao nosso redor. Este ver de que vos falo é já um
ver pensado e direccionado à percepção de todas
as possíveis fontes de perigo. Ou seja, se com
base na informação visual que recolho vou
identificar tudo para de seguida classificar,
raciocinar, optar, executar, ao ver já estou a
buscar especificamente os perigos. Assim como
que uma espécie de “Onde está Wally ?”. Só que
não é só um Wally que lá está – são 2, 4, 6, 8,
10, 20, não sabemos. Mas que estão lá, estão.
Diz o povo e com razão, “eles andem aí” (está
bem, começou por não ser o povo que disse isto
mas agora já é). Uma das razões, por exemplo,
para que tantos automobilistas não nos vejam é,
precisamente, porque não estão alerta para os
motociclos (não fazemos parte do seu esquema
mental). É necessário ver interessadamente tudo
o que nos rodeia. Identificar cada aspecto com
as suas possíveis consequências. As crianças que
brincam no passeio podem querer significar um
obstáculo se a bola ressaltar para a rua, o
automobilista a falar ao telemóvel pode ser
outro se, distraído, se desviar na nossa
direcção, uma diferente coloração no asfalto
pode constituir uma zona de menor aderência por
se tratar de combustível derramado.
A
visão periférica também joga um papel importante
na percepção. Menos nítida que a central é,
porém, mais sensível à luz e ao movimento.
Aquilo que podemos topar pelo canto do olho ou
de relance é muito importante na recolha da
informação.
Aqui chegados
temos de abrir um parêntesis e falar da visão
traseira. Ninguém tem olhos na nuca e ainda que
os tivesse de nada serviriam pois os capacetes
são fechados atrás. Mas temos espelhos
retrovisores. Temos e devemos usá-los
correctamente, o que quer dizer, colocá-los a
cobrir correcta e efectivamente todo o ângulo
traseiro para além da visão periférica. A maior
parte das nossas motos são deficientes neste
capítulo. Mesmo com dois espelhos não dispomos
de um central que cubra o ângulo morto, mesmo
atrás de nós. E não ver quem directamente (e
quantas vezes perto demais) nos precede pode
tornar-se perigoso. Pessoalmente aconselho o
recurso aos “espelhinhos”, pequenos espelhos,
circulares convexos ou rectangulares com ângulo
de 45º (que resultará mais fechado ou aberto
conforme os coloquem no espelho) que apostos no
espelho permitem, ainda que em miniatura,
visionar para além do que o espelho nos mostra.
Garanto-vos que jogando com estes pequenos
extras, à venda em qualquer grande superfície a
preço módico, se conseguem resultados
satisfatórios. O ideal será os espelhos cobrirem
todo o espaço que medeia o limite da nossa visão
lateral, de um lado ao outro. A seguir, o ideal
é utilizá-los. Não cair na fixação, que nos
distrairá do que se passa na nossa frente, mas
lançar-lhes constantes miradas de forma a
controlar o que nos está por trás. Pode parecer
complicado mas, como em todos os capítulos da
condução segura, trata-se unicamente de uma
questão de hábito. Depois de adquirido torna-se
natural a ponto de nos interrogarmos como é
possível viver sem eles.
Jorge
Macieira
Advogado, Mediador de Conflitos e motociclista
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